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Relator

WEDER DE OLIVEIRA

Tipo de processo

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL (TCE)

Data da sessão

02/07/2025

Número da ata

Interessado / Responsável / Recorrente

3. Interessados/Responsáveis:
3.1. Interessado: Delegacia Fluvial de Uruguaiana - Comando da Marinha (00.394.502/0155-08).
3.2. Responsável: Irani Coelho Fernandes (XXX.157.130-XX).

Entidade

Pagadoria de Pessoal da Marinha.

Representante do Ministério Público

Subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado.

Unidade Técnica

Unidade de Auditoria Especializada em Tomada de Contas Especial (AudTCE).

Representante Legal

Frederico de Quadros Monçalves (OAB/RS 93.618), representando Irani Coelho Fernandes.

Assunto

Tomada de contas especial instaurada em razão de irregularidade relativa ao recebimento de auxílio invalidez coadunado com outra atividade remunerada.

Sumário

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. MILITAR. REFORMA. PAGAMENTO DE AUXÍLIO INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA. CITAÇÃO DO RESPONSÁVEL. ALEGAÇÕES DE DEFESA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR. ARQUIVAMENTO.

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de tomada de contas especial instaurada pelo Comando da Marinha;

ACORDAM os ministros deste Tribunal, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:

9.1. encerrar o processo e arquivar os autos, por ausência dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular, com base no art. 212 do RI/TCU;

9.2. enviar cópia deste acórdão ao Comando da Marinha e ao responsável;

9.3. informar aos interessados que o inteiro teor da presente deliberação estará disponível para consulta no dia seguinte à sua oficialização, no endereço www.tcu.gov.br/acordaos.

Quórum

13.1. Ministros presentes: Vital do Rêgo (Presidente), Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler e Jorge Oliveira.
13.2. Ministros-Substitutos convocados: Marcos Bemquerer Costa e Weder de Oliveira (Relator).

Relatório

Reproduzo a instrução da Unidade de Auditoria Especializada em Tomada de Contas Especial (AudTCE), inserta à peça 52 dos presentes autos, com os ajustes de forma pertinentes:

"1. Cuidam os autos de tomada de contas especial instaurada pela Delegacia Fluvial de Uruguaiana - Comando da Marinha, em desfavor de Irani Coelho Fernandes, em razão do recebimento do auxílio invalidez coadunado com outra atividade remunerada, em discordância com o que prevê o artigo 78 do Decreto 4.307/2002.

HISTÓRICO

2. Em 30/3/2022, com fundamento na IN/TCU 71/2012, alterada pela IN/TCU 76/2016, e DN/TCU 155/2016, o Delegado Fluvial de Uruguaiana - Comando da Marinha autorizou a instauração da tomada de contas especial (peça 3). O processo foi registrado no sistema e-TCE com o número 839/2022.

3. O fundamento para a instauração da Tomada de Contas Especial, conforme consignado na matriz de responsabilização elaborada pelo tomador de contas, foi a constatação da seguinte irregularidade:

Recebimento indevido de Auxílio Invalidez, coadunado com atividade remunerada.

4. O responsável arrolado na fase interna foi devidamente comunicado e, diante da ausência de justificativas suficientes para elidir a irregularidade e da não devolução dos recursos, instaurou-se a tomada de contas especial.

5. No relatório da TCE (peça 29), o tomador de contas concluiu que o prejuízo importava no valor original de R$ 197.720,66, imputando responsabilidade a Irani Coelho Fernandes, Vereador/Secretário do Município de Uruguaiana/RS, no período de 19/12/2012 até o momento, na condição de beneficiário.

6. Em 28/7/2022, o Centro de Controle Interno da Marinha emitiu o relatório de auditoria (peça 31), em concordância com o relatório do tomador de contas. O certificado de auditoria e o parecer do dirigente do órgão de controle interno concluíram pela irregularidade das presentes contas (peças 32 e 33).

7. Em 19/8/2022, o Comandante da Marinha atestou haver tomado conhecimento das conclusões contidas no relatório e certificado de auditoria, bem como do parecer conclusivo do dirigente do órgão de controle interno, manifestando-se pela irregularidade das contas, e determinou o encaminhamento do processo ao Tribunal de Contas da União (peça 34). Em que pese o art. 52 da Lei 8.443/1992 ter atribuído a edição ao Ministro de Estado supervisor da área ou a autoridade de nível hierárquico equivalente, referido pronunciamento foi emitido pelo Comandante da Marinha, com base no Despacho no 19/GM-MD, de 16 de março de 2020, publicado no Diário Oficial da União, de 19 de março de 2020 - Edição 54 - Seção 1-Página 18, que conferiu efeito vinculante ao Parecer 0056/2020/CONJUR-MD/CGU/AGU.

8. Na instrução inicial (peça 38), analisando-se os documentos nos autos, concluiu-se pela necessidade de realização de citação para a seguinte irregularidade:

8.1. Irregularidade 1: recebimento de pagamentos à título de auxílio invalidez simultaneamente ao exercício de atividade remunerada pelo militar (recebia de outra fonte pagadora).

8.1.1. Evidências da irregularidade: documentos técnicos presentes nas peças 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27.

8.1.2. Normas infringidas: art. 71, inciso II, da Constituição Federal/1988; arts. 884, 876 e 927 do Código Civil (Lei 10.406 de 10/1/2002) e art. 78 do Decreto 4.307/2002.

8.2. Débitos relacionados ao responsável Irani Coelho Fernandes:

Data de ocorrência

Valor histórico (R$)

1/1/2013

1.728,75

1/2/2013

1.728,75

1/3/2013

1.887,00

1/4/2013

1.887,00

1/5/2013

1.887,00

1/6/2013

1.887,00

1/7/2013

1.887,00

1/8/2013

1.887,00

1/9/2013

1.887,00

1/10/2013

1.887,00

1/11/2013

1.887,00

1/12/2013

1.887,00

1/1/2014

1.887,00

1/2/2014

1.887,00

1/3/2014

1.887,00

1/4/2014

2.059,50

1/5/2014

2.059,50

1/6/2014

2.059,50

1/7/2014

2.059,50

1/8/2014

2.059,50

1/9/2014

2.059,50

1/10/2014

2.059,50

1/11/2014

2.059,50

1/12/2014

2.059,50

1/1/2015

2.059,50

1/2/2015

2.059,50

1/3/2015

2.059,50

1/4/2015

2.059,50

1/5/2015

2.059,50

1/6/2015

2.247,75

1/7/2015

2.247,75

1/8/2015

2.247,75

1/9/2015

2.247,75

1/10/2015

2.247,75

1/11/2015

2.247,75

1/12/2015

2.247,75

1/1/2016

2.247,75

1/2/2016

2.247,75

1/3/2016

2.247,75

1/4/2016

2.247,75

1/5/2016

2.247,75

1/6/2016

2.247,75

1/7/2016

2.247,75

1/8/2016

2.247,75

1/9/2016

2.371,50

1/10/2016

2.371,50

1/11/2016

2.371,50

1/12/2016

2.371,50

1/1/2017

2.371,50

1/2/2017

2.511,00

1/3/2017

2.511,00

1/4/2017

2.511,00

1/5/2017

2.511,00

1/6/2017

2.511,00

1/7/2017

2.511,00

1/8/2017

2.511,00

1/9/2017

2.511,00

1/10/2017

2.511,00

1/11/2017

2.511,00

1/12/2017

2.511,00

1/1/2018

2.511,00

1/2/2018

2.660,50

1/3/2018

2.660,50

1/4/2018

2.660,50

1/5/2018

2.660,50

1/6/2018

2.660,50

1/7/2018

2.660,50

1/8/2018

2.660,50

1/9/2018

2.660,50

1/10/2018

2.660,50

1/11/2018

2.660,50

1/12/2018

2.660,50

1/1/2019

2.660,50

1/2/2019

2.812,50

1/3/2019

2.812,50

1/4/2019

2.812,50

1/5/2019

2.812,50

1/6/2019

2.812,50

1/7/2019

2.812,50

1/8/2019

2.812,50

1/9/2019

2.812,50

1/10/2019

2.812,50

1/11/2019

2.812,50

1/12/2019

2.812,50

1/1/2020

2.812,50

1/2/2020

2.812,50

1/3/2020

2.812,50

1/4/2020

2.812,50

1/5/2020

2.812,50

1/6/2020

2.812,50

1/7/2020

2.812,50

1/8/2020

2.812,50

1/9/2020

2.812,50

1/10/2020

2.812,50

1/11/2020

2.812,50

1/12/2020

2.812,50

1/1/2021

2.812,50

1/2/2021

2.812,50

1/3/2021

2.812,50

1/4/2021

2.812,50

1/5/2021

2.812,50

1/6/2021

2.812,50

1/7/2021

2.812,50

1/8/2021

2.812,50

1/9/2021

2.812,50

1/10/2021

2.812,50

1/11/2021

2.812,50

8.2.1. Cofre credor: Tesouro Nacional.

8.2.2. Responsável: Irani Coelho Fernandes.

8.2.2.1. Conduta: receber pagamentos à título de auxílio invalidez simultaneamente ao exercício de atividade remunerada (recebia de outra fonte pagadora).

8.2.2.2. Nexo de causalidade: ao receber indevidamente pagamentos à título de auxílio invalidez junto com outra atividade remunerada o responsável causou dano ao erário.

8.2.2.3. Culpabilidade: não há excludente de ilicitude, de culpabilidade e de punibilidade; é razoável supor que o responsável tinha consciência da ilicitude de sua conduta; era exigível conduta diversa da praticada, qual seja, não receber auxílio invalidez a partir do momento em que passou a exercer atividade remunerada, paga por outra fonte.

9. Encaminhamento: citação.

10. Em cumprimento ao pronunciamento da unidade (peça 39), foi efetuada citação do responsável, nos moldes adiante:

a) Irani Coelho Fernandes - promovida a citação do responsável, conforme delineado adiante:

Comunicação: Ofício 40975/2023 - Seproc (peça 42)

Data da Expedição: 13/9/2023

Data da Ciência: 19/9/2023 (peça 43)

Nome Recebedor: Neidi Fernandes

Observação: Ofício enviado para o endereço do responsável, conforme pesquisa na base de dados no sistema da Receita Federal, custodiada pelo TCU (peça 40).

Fim do prazo para a defesa: 4/10/2023

Comunicação: Ofício 40976/2023 - Seproc (peça 41)

Data da Expedição: 13/9/2023

Data da Ciência: não houve (Não procurado) (peça 46)

Observação: Ofício enviado para o endereço do responsável, conforme pesquisa na base de dados nos sistemas corporativos do TCU, custodiada pelo TCU (peça 40).

11. Conforme Despacho de Conclusão das Comunicações Processuais (peça 47), as providências inerentes às comunicações processuais foram concluídas.

12. Transcorrido o prazo regimental, o responsável Irani Coelho Fernandes apresentou defesa, que será analisada na seção Exame Técnico.

ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS DE PROCEDIBILIDADE DA IN/TCU 71/2012

Avaliação de Viabilidade do Exercício do Contraditório e Ampla Defesa

13. Verifica-se que não houve o transcurso de mais de dez anos desde o fato gerador da irregularidade sancionada sem que tenha havido a notificação do responsável pela autoridade administrativa federal competente (art. 6º, inciso II, c/c art. 19 da IN/TCU 71/2012, modificada pela IN/TCU 76/2016), uma vez que o fato gerador ocorreu em 1/11/2021, e o responsável foi notificado sobre a irregularidade pela autoridade administrativa competente conforme segue:

13.1. Irani Coelho Fernandes, por meio do ofício acostado à peça 2, recebido em 11/3/2022, conforme AR (peça 5).

Valor de Constituição da TCE

14. Verifica-se, ainda, que o valor atualizado do débito apurado (sem juros) em 1/1/2017 é de R$ 275.454,23, portanto superior ao limite mínimo de R$ 100.000,00, na forma estabelecida conforme os arts. 6º, inciso I, e 19 da IN/TCU 71/2012, modificada pela IN/TCU 76/2016.

Avaliação da Ocorrência da Prescrição

15. Em relação à prescrição, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário 636.886, em 20/04/2020, fixou tese com repercussão geral de que "é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas" (Tema 899).

16. Posteriormente, o próprio TCU regulamentou o assunto por meio da Resolução-TCU 344 de 11/10/2022, à luz do disposto na Lei 9.873/1999, estabelecendo no art. 2º que prescrevem em cinco anos as pretensões punitiva e de ressarcimento nos processos de controle externo.

17. O termo inicial da contagem do prazo prescricional está previsto no art. 4º da Resolução-TCU 344/2022. Da mesma forma, as situações de interrupção da prescrição foram elencadas no art. 5º. A prescrição intercorrente está regulada no art. 8º.

18. No mais, conforme decidido em precedentes do STF (MS 35.430-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes; MS 35.208-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli; MS 36.905-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso) os atos interruptivos prescindem de notificação, cientificação ou citação dos investigados, ocorrendo tão somente com o desaparecimento da inércia do Poder Público em investigar determinado fato.

19. No âmbito dessa Corte, o Acórdão 2219/2023-TCU-Segunda Câmara (Relator Min. Jhonatan de Jesus) destacou que o ato inequívoco de apuração dos fatos constitui causa objetiva de interrupção do prazo prescricional, que atinge todos os possíveis responsáveis indistintamente, pois possui natureza geral, de sorte a possibilitar a identificação dos responsáveis. Contudo, a oitiva, a notificação, a citação ou a audiência (art. 5º, inciso I, do mencionado normativo) constituem causas de interrupção de natureza pessoal, com efeitos somente em relação ao responsável destinatário da comunicação do TCU.

20. Em tempo, por meio do Acórdão 534/2023-TCU-Plenário (Rel. Min. Benjamin Zymler), firmou-se entendimento de que o marco inicial da fluição da prescrição intercorrente se inicia somente a partir da ocorrência do primeiro marco interruptivo da prescrição ordinária, consoante elencado no art. 5º da nominada Resolução.

21. No caso concreto, o termo inicial da contagem do prazo prescricional ocorreu em 1/11/2021, data em que cessou a ocorrência irregular (inciso V do art. 4º).

22. Ademais, verificam-se, nos presentes autos, os seguintes eventos processuais interruptivos da prescrição (lista não exaustiva), ocorridos tanto na fase interna quanto na fase externa desta TCE:

a) Instrução inserida nos presentes autos em 16/8/2023 (peça 38);

b) Alegações de defesa do responsável, inseridas nos autos em 6/10/2023 (peça 45).

23. Analisando-se o termo inicial da contagem do prazo prescricional, bem como os eventos processuais enumerados acima, os quais teriam o condão de interromper a prescrição da ação punitiva desta Corte, conclui-se que não houve o transcurso do prazo de 5 (cinco) anos entre cada evento processual capaz de caracterizar a ocorrência da prescrição ordinária (quinquenal), tampouco de 3 (três) anos entre cada evento processual, que pudesse evidenciar a prescrição intercorrente.

24. Portanto, levando-se em consideração o entendimento do STF anteriormente mencionado, bem como a vigente regulamentação do Tribunal, não ocorreu a prescrição da pretensão sancionatória e ressarcitória a cargo do TCU.

OUTROS PROCESSOS/DÉBITOS NOS SISTEMAS DO TCU COM OS MESMOS RESPONSÁVEIS

25. Informa-se que não foi encontrado débito imputável ao responsável em outros processos no Tribunal.

26. A tomada de contas especial está, assim, devidamente constituída e em condição de ser instruída.

EXAME TÉCNICO

Alegações de defesa apresentadas pelo responsável Irani Coelho Fernandes

27. O responsável alega que os valores cobrados nos presentes autos, anteriores a 1/11/2016, estariam prescritos (peça 45, p. 2-3).

28. Argumenta que o presente processo administrativo seria nulo, sob a alegação de nele ter tido cerceado o seu direito de defesa (peça 45, p. 3-4).

29. Alega ter agido de boa-fé, sustentando o seu ponto de vista na argumentação de que seria público e notório aos agentes públicos que o atendiam na Delegacia Fluvial de Uruguaiana/RS, nas provas de vida lá realizadas anualmente, a sua condição de vereador daquela cidade. E na ponderação de que não detinha o conhecimento quanto à vedação legal acerca da acumulação (peça 45, p. 4-5).

Desta forma, cabe afirmar que o Comando da Marinha de Uruguaiana tinha pleno conhecimento do cargo público ocupado pelo citado e nunca houve manifestação contrária ao recebimento, concomitante, de seu auxílio invalidez.

30. Ressalta que está inabilitado para as atividades militares, já que é tetraplégico, mas que seu estado clínico não o impossibilita de desenvolver atividades intelectuais, tampouco de exercer cargos eletivos (peça 45, p. 6).

31. Acrescenta que a jurisprudência do STJ apontaria não haver óbice à cumulação de aposentadoria por invalidez com subsídio decorrente do exercício de mandato eletivo, pois o agente público não mantém vínculo profissional com a Administração Pública, defendendo que a sua situação se encaixaria nesse entendimento, tanto considerando a ocupação do cargo de vereador, quanto a do cargo de secretário municipal (peça 45, p. 6-7).

32. Ao final, afirma que o TCU estaria contrariando a Lei 13.146/2015, ao lhe negar seus direitos de igualdade e não discriminação (peça 45, p. 7).

Análise das alegações de defesa apresentadas pelo responsável Irani Coelho Fernandes

33. Primeiramente, não procedem as alegações do responsável quanto ao reconhecimento da prescrição. Conforme análise tecida em item específico da presente instrução, não ocorreu, nos presentes autos, a prescrição da pretensão sancionatória e ressarcitória a cargo do TCU.

34. Quanto à alegação de ter tido o seu direito de defesa cerceado, de que esta Corte teria contrariado o estabelecido pela Lei 13.146/2015 e ao seu pedido de reabertura do período de produção de provas, para que seja realizada a juntada de documentos médicos, não há como prosperar as alegações do responsável.

35. Primeiro, porque a citação endereçada ao responsável representou mais uma oportunidade dele se defender e apresentar os elementos de defesa que desejasse, além das anteriores, ofertadas na fase interna desta TCE.

36. Segundo, posto que, no que diz respeito à Lei 13.146/2015, não se verifica em seu capítulo II (arts. 4º ao 8º) a previsão de que o encaminhamento de citação, por esta Corte, a pessoa portadora de deficiência, como consequência da constatação de irregularidades ou de indícios de irregularidades na utilização dos recursos públicos federais, atente contra o direito à igualdade de oportunidades ou o direito à não discriminação de que dispõem as pessoas com deficiência.

37. Quanto à menção ao reconhecimento esperado pelos servidores da Delegacia Fluvial de Uruguaiana acerca da condição do responsável de vereador daquela municipalidade, trata-se de mera suposição, sem elementos de sustentação.

38. No que tange à possibilidade de acumulação das remunerações, cerne dos presentes autos, verifica-se que o Decreto 4.307/2002, que regulamentou a reestruturação da remuneração dos militares integrantes das Forças Armadas, prevê, em seu art. 78, a necessidade de apresentação, anualmente, de declaração de não exercício de nenhuma atividade remunerada pelos militares que façam jus ao auxílio-invalidez.

39. O parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que o auxílio-invalidez será suspenso caso seja constatado que o militar exerce qualquer atividade remunerada ou não apresente a declaração anual de que não exerce outra atividade remunerada.

40. A jurisprudência do STJ trazida aos autos pelo responsável tratou, no caso concreto, da possibilidade de acúmulo de aposentadoria por invalidez paga pelo INSS com subsídio decorrente do exercício de mandato eletivo.

41. Entende-se que a jurisprudência apresentada não seria aderente à situação aqui analisada, pois há um regramento específico tratando da situação dos militares recebedores de auxílio-invalidez, o Decreto 4.307/2002.

42. O caso tratado na jurisprudência colacionada versa sobre aposentadoria civil, paga pelo INSS, portanto não abrangida pela legislação específica que trata dos militares recebedores de auxílio-invalidez.

43. Com isso, conclui-se que o auxílio-invalidez pago ao Sr. Irani deve ser suspenso enquanto o responsável receber qualquer outra remuneração, nos termos do parágrafo único do art. 78 do Decreto 4.307/2002. Daí decorre a necessidade de o responsável repor ao erário os valores do auxílio-invalidez por ele recebidos paralelamente às remunerações do cargo de vereador e de secretário municipal.

44. Quanto à realização de nova perícia, entende-se que seria aplicável caso houvesse a possibilidade de se reverter a sua aposentadoria por invalidez, com a sua reintegração à Marinha do Brasil. No entanto, como por meio do termo de inspeção de saúde 1001169 (peça 10) foi certificado que o responsável seria portador de paralisia irreversível e incapacitante, entende-se, salvo melhor juízo, não ser o caso de se propor a realização de nova inspeção de saúde.

Avaliação da boa-fé

45. De acordo com a Súmula TCU 249, é dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

46. Aprofundando mais no assunto, o Acórdão 3748/2017-TCU-Segunda Câmara (Relator Augusto Nardes) assim detalhou as condições para a referida dispensa:

A reposição ao erário somente pode ser dispensada quando verificadas cumulativamente as seguintes condições: a) presença de boa-fé do servidor; b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, a validade ou a incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. Quando não estiverem atendidas todas essas condições ou, ainda, quando os pagamentos forem decorrentes de erro operacional da Administração, a reposição é obrigatória, na forma dos arts. 46 e 47 da Lei 8.112/1990.

47. No caso em exame, não se verifica a ocorrência boa-fé e, portanto, não é o caso de dispensa da cobrança do débito, eis que, consoante disposto acima, o responsável se habilitou ao recebimento do auxílio invalidez, ao assinar declarações anuais afirmando que não exercia atividade remunerada, pública ou privada, quando de fato exercia, conforme apurado em sindicância, induzindo a Administração a erro e, dessa forma, influenciando no pagamento indevido do auxílio invalidez.

48. Da análise procedida acima, verifica-se que os argumentos de defesa não foram suficientes para elidir a irregularidade pela qual está sendo responsabilizado, de forma que devem ser rejeitados.

49. Não há elementos para que se possa efetivamente aferir e reconhecer a ocorrência de boa-fé na conduta de Irani Coelho Fernandes, podendo este Tribunal, desde logo, proferir o julgamento de mérito pela irregularidade das contas, conforme os termos dos §§ 2º e 6º do art. 202 do Regimento Interno do TCU, condenando-se o responsável ao débito apurado e aplicando-lhe a multa prevista no art. 57, da Lei 8.443/1992.

CONCLUSÃO

50. Em face da análise promovida na seção "Exame Técnico", propõe-se rejeitar as alegações de defesa de Irani Coelho Fernandes, uma vez que não foram suficientes para sanar as irregularidades a ele atribuídas e nem afastar o débito apurado. Ademais, inexistem nos autos elementos que demonstrem a boa-fé do responsável ou a ocorrência de outras excludentes de culpabilidade.

51. Verifica-se também que não houve a prescrição da pretensão punitiva, conforme análise já realizada.

52. Tendo em vista que não constam dos autos elementos que permitam reconhecer a boa-fé do responsável, sugere-se que as suas contas sejam julgadas irregulares, nos termos do art. 202, § 6º, do Regimento Interno do TCU, com a imputação do débito atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, nos termos do art. 202, § 1º do Regimento Interno do TCU, descontado o valor eventualmente recolhido, com a aplicação da multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992.

53. Por fim, como não houve elementos que pudessem modificar o entendimento acerca das irregularidades em apuração, mantém-se a matriz de responsabilização presente na peça 37.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

54. Diante do exposto, submetemos os autos à consideração superior, propondo ao Tribunal:

a) rejeitar as alegações de defesa apresentadas pelo responsável Irani Coelho Fernandes;

b) julgar irregulares, nos termos dos arts. 1º, inciso I, 16, inciso III, alíneas "b" e "c", da Lei 8.443/1992, c/c os arts. 19 e 23, inciso III, da mesma Lei, as contas do responsável Irani Coelho Fernandes, condenando-o ao pagamento das importâncias a seguir especificadas, atualizadas monetariamente e acrescidas dos juros de mora, calculadas a partir das datas discriminadas até a data da efetiva quitação do débito, fixando-lhe o prazo de quinze dias, para que comprove, perante o Tribunal, o recolhimento das referidas quantias aos cofres do Tesouro Nacional, nos termos do art. 23, inciso III, alínea "a", da citada lei, c/c o art. 214, inciso III, alínea "a", do Regimento Interno do TCU.

Débitos relacionados ao responsável Irani Coelho Fernandes (CPF: XXX.157.130-XX):

Data de ocorrência

Valor histórico (R$)

1/1/2013

1.728,75

1/2/2013

1.728,75

1/3/2013

1.887,00

1/4/2013

1.887,00

1/5/2013

1.887,00

1/6/2013

1.887,00

1/7/2013

1.887,00

1/8/2013

1.887,00

1/9/2013

1.887,00

1/10/2013

1.887,00

1/11/2013

1.887,00

1/12/2013

1.887,00

1/1/2014

1.887,00

1/2/2014

1.887,00

1/3/2014

1.887,00

1/4/2014

2.059,50

1/5/2014

2.059,50

1/6/2014

2.059,50

1/7/2014

2.059,50

1/8/2014

2.059,50

1/9/2014

2.059,50

1/10/2014

2.059,50

1/11/2014

2.059,50

1/12/2014

2.059,50

1/1/2015

2.059,50

1/2/2015

2.059,50

1/3/2015

2.059,50

1/4/2015

2.059,50

1/5/2015

2.059,50

1/6/2015

2.247,75

1/7/2015

2.247,75

1/8/2015

2.247,75

1/9/2015

2.247,75

1/10/2015

2.247,75

1/11/2015

2.247,75

1/12/2015

2.247,75

1/1/2016

2.247,75

1/2/2016

2.247,75

1/3/2016

2.247,75

1/4/2016

2.247,75

1/5/2016

2.247,75

1/6/2016

2.247,75

1/7/2016

2.247,75

1/8/2016

2.247,75

1/9/2016

2.371,50

1/10/2016

2.371,50

1/11/2016

2.371,50

1/12/2016

2.371,50

1/1/2017

2.371,50

1/2/2017

2.511,00

1/3/2017

2.511,00

1/4/2017

2.511,00

1/5/2017

2.511,00

1/6/2017

2.511,00

1/7/2017

2.511,00

1/8/2017

2.511,00

1/9/2017

2.511,00

1/10/2017

2.511,00

1/11/2017

2.511,00

1/12/2017

2.511,00

1/1/2018

2.511,00

1/2/2018

2.660,50

1/3/2018

2.660,50

1/4/2018

2.660,50

1/5/2018

2.660,50

1/6/2018

2.660,50

1/7/2018

2.660,50

1/8/2018

2.660,50

1/9/2018

2.660,50

1/10/2018

2.660,50

1/11/2018

2.660,50

1/12/2018

2.660,50

1/1/2019

2.660,50

1/2/2019

2.812,50

1/3/2019

2.812,50

1/4/2019

2.812,50

1/5/2019

2.812,50

1/6/2019

2.812,50

1/7/2019

2.812,50

1/8/2019

2.812,50

1/9/2019

2.812,50

1/10/2019

2.812,50

1/11/2019

2.812,50

1/12/2019

2.812,50

1/1/2020

2.812,50

1/2/2020

2.812,50

1/3/2020

2.812,50

1/4/2020

2.812,50

1/5/2020

2.812,50

1/6/2020

2.812,50

1/7/2020

2.812,50

1/8/2020

2.812,50

1/9/2020

2.812,50

1/10/2020

2.812,50

1/11/2020

2.812,50

1/12/2020

2.812,50

1/1/2021

2.812,50

1/2/2021

2.812,50

1/3/2021

2.812,50

1/4/2021

2.812,50

1/5/2021

2.812,50

1/6/2021

2.812,50

1/7/2021

2.812,50

1/8/2021

2.812,50

1/9/2021

2.812,50

1/10/2021

2.812,50

1/11/2021

2.812,50

Valor atualizado do débito (com juros) em 28/8/2024: R$ 410.214,51.

c) aplicar ao responsável Irani Coelho Fernandes a multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992 c/c o art. 267 do Regimento Interno do TCU, fixando-lhe o prazo de quinze dias, a contar da notificação, para que comprove, perante o Tribunal (art. 214, III, alínea "a", do Regimento Interno do TCU), o recolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente desde a data do acórdão proferido por este Tribunal até a data do efetivo recolhimento, se paga após o vencimento, na forma da legislação em vigor;

d) autorizar, desde logo, a cobrança judicial das dívidas, caso não atendida a notificação, na forma do disposto no art. 28, inciso II, da Lei 8.443/1992;

e) autorizar também, desde logo, se requerido, com fundamento no art. 26, da Lei 8.443, de 1992, c/c o art. 217, §1º do Regimento Interno do TCU, o parcelamento das dívidas em até 36 parcelas, incidindo, sobre cada parcela, corrigida monetariamente, os correspondentes acréscimos legais, fixando-lhe o prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento da primeira parcela, e de trinta dias, a contar da parcela anterior, para comprovar os recolhimentos das demais parcelas, devendo incidir, sobre cada valor mensal, atualizado monetariamente, os juros de mora devidos, no caso do débito, na forma prevista na legislação em vigor, alertando o responsável de que a falta de comprovação do recolhimento de qualquer parcela importará o vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do § 2º do art. 217 do Regimento Interno deste Tribunal;

f) determinar, com fundamento no art. 46, § 1º, da Lei 8.112/1990, art. 28, inciso I, da Lei 8.443/1992 e art. 219, inciso I, do Regimento Interno do TCU, à Pagadoria de Pessoal da Marinha que proceda ao desconto da dívida na remuneração do Sr. Irani Coelho Fernandes (CPF: XXX.157.130-XX), caso não atendidas as notificações;

g) informar à Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, à Pagadoria de Pessoal da Marinha, à Delegacia Fluvial de Uruguaiana - Comando da Marinha e ao responsável que a presente deliberação, acompanhada do Relatório e do Voto que a fundamentam, está disponível para a consulta no endereço www.tcu.gov.br/acordaos; e

h) informar à Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul que, nos termos do § 1º do art. 62 da Resolução TCU 259/2014, os procuradores e membros do Ministério Público credenciados nesta Corte podem acessar os presentes autos de forma eletrônica e automática, ressalvados apenas os casos de eventuais peças classificadas como sigilosas, as quais requerem solicitação formal."

1. O Ministério Público de Contas, representado pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, concordou com a unidade instrutiva[footnoteRef:1]. [1: Peça 51.]

É o relatório.

Voto

Em exame, tomada de contas especial instaurada pela Delegacia Fluvial de Uruguaiana- Comando da Marinha contra o Sr. Irani Coelho Fernandes, em razão do recebimento indevido de auxílioinvalidez cumulado com exercício de atividade remunerada.

2. Comissão de sindicância instalada para examinar o caso verificou que o responsável exerceu, concomitantemente com a percepção do auxílio, atividade remunerada como vereador, entre 1º/1/2013 a 31/12/2020, e, posteriormente, como secretário municipal em Uruguaiana/RS, desde 9/2/2021.

3. De acordo com o tomador de contas[footnoteRef:1], o militar recebeu auxílio-invalidez de 10/2/2009 a 1º/10/2021, quando o pagamento foi suspenso. O dano ao erário foi quantificado em R$ 197.720,66. [1: Peça 29.]

4. Neste Tribunal, a Unidade de Auditoria Especializada em Tomada de Contas Especial (AudTCE) promoveu a devida citação[footnoteRef:2], mas observou que o tomador de contas considerou como débito somente as parcelas recebidas nos últimos cinco anos, de 1º/11/2016 a 26/10/2021[footnoteRef:3]. Segundo jurisprudência predominante deste Tribunal, a devolução seria devida desde a data de início da ocorrência de pagamentos indevidos, que seria a posse do Sr. Irani Coelho Fernandes em mandato eletivo, em 1º/1/2013. [2: Peças 41, 42, 43 e 46.] [3: Conforme datas informadas na peça 16, p. 1.]

5. O Sr. Irani Coelho Fernandes apresentou alegações de defesa[footnoteRef:4], sustentando, preliminarmente, a prescrição da cobrança dos valores anteriores a 1º/11/2016[footnoteRef:5] e a nulidade do processo administrativo[footnoteRef:6], sob o argumento de cerceamento do seu direito de defesa. [4: Peça 45.] [5: Peça 45, p. 2-3.] [6: Peça 45, p. 3-4.]

6. Quanto ao exercício de atividade remunerada concomitante com o recebimento concomitante de auxílio-invalidez, o responsável alegou:

" (...) o Comando da Marinha de Uruguaiana tinha pleno conhecimento do cargo público ocupado pelo citado e nunca houve manifestação contrária ao recebimento, concomitante, de seu auxílio invalidez.

O citado não possuía o conhecimento de uma vedação do recebimento do auxílio invalidez com a recebimento de remuneração em virtude de sua atuação como edil.

Desta forma, caso exista o entendimento que o recebido dos valores foi indevido, em virtude do exercício de função remunerada de vereador, é obrigatório que se faça análise da boa-fé do agente, bem como a inércia de atuação do Comando da Marinha em Uruguaiana.

(...)

Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), fixou a seguinte tese ao julgar o Tema 259: 'É possível a cumulação de benefício de auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) com o exercício de mandato eletivo de vereador, desde que observado o disposto no § 7º do art. 60 da Lei n. 8.213/1991'.

(...) o acusado está inválido para as suas atividades MILITARES, já que é tetraplégico. Este estado clínico, no entanto, não o impossibilita de desenvolver atividades intelectuais, tampouco exercer cargos eletivos. (...) não se exige do agente político (para o exercício da atividade) plena capacidade física.

(...) o agente público não mantém vínculo profissional com a administração pública, exercendo temporariamente um múnus público. O mesmo entendimento se aplica ao cargo de secretário municipal, já que se trata de cargo de livre nomeação do executivo municipal.

São vínculos diversos, ao passo que importante referir que a incapacidade para o trabalho não reflete incapacidade para os atos da vida política."

7. A AudTCE não acolheu a preliminar de prescrição, pois o termo inicial da contagem do prazo prescricional foi 1º/11/2021, data em que cessaram os pagamentos irregulares. Quanto à não observância do direito de defesa, registra que o responsável foi devidamente citado e apresentou alegações defesa.

8. Quanto ao recebimento do auxílio concomitantemente com o exercício de atividade remunerada, a AudTCE rejeitou os argumentos do responsável[footnoteRef:7]: [7: Peça 48, p. 8. ]

"37. Quanto à menção ao reconhecimento esperado pelos servidores da Delegacia Fluvial de Uruguaiana acerca da condição do responsável de vereador daquela municipalidade, trata-se de mera suposição, sem elementos de sustentação.

38. No que tange à possibilidade de acumulação das remunerações, cerne dos presentes autos, verifica-se que o Decreto 4.307/2002, que regulamentou a reestruturação da remuneração dos militares integrantes das Forças Armadas, prevê, em seu art. 78, a necessidade de apresentação, anualmente, de declaração de não exercício de nenhuma atividade remunerada pelos militares que façam jus ao auxílio-invalidez.

39. O parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que o auxílio-invalidez será suspenso caso seja constatado que o militar exerce qualquer atividade remunerada ou não apresente a declaração anual de que não exerce outra atividade remunerada.

40. A jurisprudência do STJ trazida aos autos pelo responsável tratou, no caso concreto, da possibilidade de acúmulo de aposentadoria por invalidez paga pelo INSS com subsídio decorrente do exercício de mandato eletivo.

41. Entende-se que a jurisprudência apresentada não seria aderente à situação aqui analisada, pois há um regramento específico tratando da situação dos militares recebedores de auxílio-invalidez, o Decreto 4.307/2002."

9. Nesse sentido, propõe julgar irregulares as contas do Sr. Irani Coelho Fernandes, condenálo ao pagamento do débito apurado e aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992.

10. O MP/TCU concordou[footnoteRef:8] com o encaminhamento da unidade especializada. [8: Peça 51. ]

II

11. O caso deve receber outro encaminhamento: o arquivamento por falta dos pressupostos para instauração de uma tomada de contas especial.

12. Esta tomada de contas especial foi instaurada direta e exclusivamente contra o Sr. Irani Coelho Fernandes, militar reformado e beneficiário do auxílio-invalidez de que trata a Lei 11.421/2006, que não mais exercia qualquer função profissional no aparato militar. Nenhum agente público situado no processo de pagamento do auxílio, indevidamente, segundo se apurou em processo administrativo, está sendo responsabilizado.

13. A razão apontada para instauração da TCE foi o recebimento indevido do auxílio enquanto o beneficiário exercia atividade remunerada, correspondente, no caso, ao exercício de mandato político de vereador, inicialmente, e, posteriormente, ao cargo não eletivo de secretário municipal.

14. Como se vê, não se trata de situação envolvendo a gestão de recursos públicos ou qualquer outra sujeita ao instituto da prestação de contas; não se trata de discussão sobre dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, tampouco de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

15. Trata-se de discussão sobre recebimento indevido de auxílio financeiro, por encontrar-se o beneficiário, como concluiu a unidade jurisdicionada, em situação segundo a qual a legislação determina a suspensão do benefício[footnoteRef:9]. [9: Relatório final da sindicância, à peça 8, p. 4, conclui que a conduta de possuir vínculo com atividade pública e o recebimento do auxílio-invalidez, causou, a princípio, prejuízo a Fazenda Nacional, ressalvando que "como se denota nos documentos acostados a este procedimento administrativo, bem como no depoimento, não houve conduta dolosa, má-fé por parte do Sindicado, apenas culpa pela falta de conhecimento acerca da impossibilidade de acumular o benefício do auxilio-invalidez com outra atividade remunerada".]

16. Tal situação deve ser objeto de instauração do devido processo administrativo e, se comprovado o recebimento indevido, o servidor, civil ou militar, deverá repor/devolver os valores indevidamente pagos e recebidos, mediante desconto compulsório na remuneração ou nos proventos de aposentadoria/reforma, se inativo.

17. Veja-se, primeiramente, a disciplina da Lei 8.112/1990 a respeito:

"Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

§ 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

§ 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Art. 48. O vencimento, a remuneração e o provento não serão objeto de arresto, seqüestro ou penhora, exceto nos casos de prestação de alimentos resultante de decisão judicial."

18. E, em seguida, a disciplina específica aplicável aos servidores militares, procedida pela Portaria GM-MD nº 2.791, de 2 de julho de 2021[footnoteRef:10], regulamentando o disposto no inciso V do art. 13 da Lei 13.954, de 2019[footnoteRef:11]: [10: Disponível em https://mdlegis.defesa.gov.br/norma_html/?NUM=2791&ANO=2021&SER=A. ] [11: "Art. 13. São descontos obrigatórios do militar: (...) V - ressarcimento e indenização ao erário, conforme disposto em ato do Ministro de Estado da Defesa; (...) ".]

"Art. 1º Esta Portaria disciplina o ressarcimento e a indenização de valores recebidos indevidamente ou de dívidas decorrentes de danos causados ao erário, por atos culposos ou dolosos, cometidos por militar, ativo ou inativo, anistiado político militar ou pensionista de militar, efetivados no âmbito dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

§ 1º O ressarcimento e a indenização ao erário de que tratam o caput constituem hipóteses de desconto obrigatório, cabendo à organização militar onde ocorreu o fato gerador do dano a responsabilidade pelo desconto da dívida, de forma integral ou parcelada.

§ 2º À organização militar onde ocorreu o fato gerador do dano caberá o acompanhamento do débito até a sua quitação, inclusive quanto à atualização do saldo devedor, eventual inscrição em Dívida Ativa da União ou ajuizamento de ação de cobrança e, se for o caso, instauração de Tomada de Contas Especial.

(...)

Art. 2º O ressarcimento e a indenização ao erário deverão ser precedidos de processo administrativo, observado o devido processo legal, atendendo aos princípios da ampla defesa e do contraditório, conforme regulamentação no âmbito de cada Força Armada.

§ 1º O ressarcimento ou indenização ao erário não excluem a responsabilização penal ou disciplinar.

§ 2º Não sendo possível realizar o desconto compulsório, a não quitação do ressarcimento ou da indenização implicará a adoção de procedimento para a inscrição do devedor na Dívida Ativa da União, nos termos fixados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ou ajuizamento de ação de cobrança e, se for o caso, instauração de Tomada de Contas Especial.

§ 3º Caberá ao militar, ativo ou inativo, ao anistiado político militar ou ao pensionista de militar a prova dos fatos que alegar.

(...)

DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO

Art. 6º A implantação de desconto em folha de pagamento referente a ressarcimentos e indenizações ao erário será previamente comunicada ao militar, ativo ou inativo, ao anistiado político militar ou ao pensionista de militar, quanto aos valores da dívida e ao número de parcelas.

Art. 7º Na implantação dos descontos em folha de pagamento deverão ser observadas as disposições constantes do art. 14 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001[footnoteRef:12]. [12: "Art. 14. Descontos são os abatimentos que podem sofrer a remuneração ou os proventos do militar para cumprimento de obrigações assumidas ou impostas em virtude de disposição de lei ou de regulamento. § 1o Os descontos podem ser obrigatórios ou autorizados. § 2o Os descontos obrigatórios têm prioridade sobre os autorizados. § 3o Na aplicação dos descontos, o militar não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos."]

Art. 8º O valor a ser ressarcido ou indenizado poderá, a pedido do interessado, ser parcelado em até sessenta parcelas mensais.

§ 1º O pedido de parcelamento deverá ser efetuado por meio de requerimento endereçado ao Comandante, ao Chefe ou ao Diretor da organização militar responsável.

§ 2º É de competência do Comandante, do Chefe ou do Diretor da organização militar responsável decidir pela concessão do parcelamento.

Art. 9º O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, proventos, reparação econômica ou pensão ou, atingido o limite de desconto, o mais próximo deste valor, observado o parâmetro fixado pelo § 3º do art. 14 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 2001.

Art. 10. O ressarcimento de valores recebidos indevidamente será feito em uma única parcela quando constatado pagamento indevido no mês anterior ao processamento da folha de pagamento ou, observado o limite de desconto, no menor número possível de parcelas.

Art. 11. Concluído o procedimento administrativo e não havendo interposição de recurso administrativo ou exauridas as instâncias recursais, o militar, ativo ou inativo, o anistiado político militar ou o pensionista de militar responsabilizado deverá ser notificado para que efetue a reposição do bem ou o ressarcimento do valor apurado no prazo máximo de quinze dias corridos, mediante o pagamento de Guia de Recolhimento da União (GRU) ou desconto em folha de pagamento.

Art. 12. Após esgotadas as medidas administrativas e não havendo a elisão do dano, a organização militar responsável deve adotar as seguintes providências:

I - cientificar o militar, ativo ou inativo, o anistiado político militar ou o pensionista de militar responsabilizado quanto ao desconto compulsório em folha de pagamento, inclusive acerca do valor e da quantidade de parcelas; e

II - implantar o desconto em folha de pagamento, independentemente do reconhecimento da dívida, observado o disposto nesta Portaria e o limite estabelecido na legislação.

§ 1º Na impossibilidade de ser efetuado em única parcela o desconto em folha de pagamento de que trata o inciso II do caput, o débito deverá ser pago no menor número de parcelas mensais descontadas dos vencimentos ou quantia que, a qualquer título, o militar, ativo ou inativo, o anistiado político militar ou o pensionista de militar responsabilizado pelo ressarcimento ou indenização recebeu em folha de pagamento, observado o disposto nos arts. 7º e 9º.

§ 2º O valor do saldo devedor deverá ser atualizado monetariamente e acrescido dos juros correspondentes, equivalentes à taxa referencial do SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento, e de um por cento relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado.

(...)." (Não grifado no original).

19. Portanto, uma vez que já havia sido instaurado o devido procedimento administrativo (sindicância) [footnoteRef:13], observado o devido processo legal, garantindo-se ao beneficiário o contraditório e a ampla defesa, e concluindo a organização militar ter havido pagamentos indevidos[footnoteRef:14], caber-lhe-ia simplesmente "implantar o desconto [obrigatório] em folha de pagamento, independentemente do reconhecimento da dívida", nos termos regulados na mencionada portaria, sem qualquer necessidade de instauração de tomada de contas especial. [13: Documento "Solução", decisão final sobre sindicância, datado de 26/11/2021, peça 9, posterior à entrada em vigor da Portaria GM-MD 2.791/2021, em 2/8/2021.] [14: Decisão da qual tenderia a discordar, em exame inicial, tendo em vista que a principal "atividade remunerada" em questão é peculiar, o exercício de cargo eletivo, de natureza de representação política, havendo decisões do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais Regionais Federais no sentido de ser cabível a percepção de proventos de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença concomitante com o subsídio de cargos eletivos, conforme exemplos a seguir: STJ - RMS 28.904/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª turma, julgado em 23/6/2009: "A aposentadoria por invalidez não impede o exercício de mandato eletivo, por se tratar de vínculo jurídico diverso, de natureza política. A acumulação de proventos de aposentadoria com subsídio de vereador é permitida pelo art. 37, §10, da Constituição Federal."STJ - REsp: 1786643 SP 2018/0312868-7, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª turma, julgado em 21/2/2019: "2. A Corte de origem decidiu a questão em acordo com a jurisprudência do STJ de que não há óbice à cumulação da aposentadoria por invalidez com subsídio decorrente do exercício de mandato eletivo, pois o agente político não mantém vínculo profissional com a Administração Pública, exercendo temporariamente um munus público. Logo, a incapacidade para o exercício da atividade profissional não significa necessariamente invalidez para os atos da vida política"TRF 3 - ApCiv 5000625-40.2018.4.03.6129, Rel. Des. Fed. Cristina Nascimento de Melo, 9ª Turma, julgado em 12/12/2024: "A incapacidade para a atividade laboral não enseja, necessariamente, a inaptidão para o exercício de funções públicas de natureza política. O vínculo estabelecido pelo mandato eletivo é de múnus público, dissociado de exigências laborativas e da capacidade física plena para as atividades profissionais, nos termos da doutrina. Em razão da diversidade de natureza dos vínculos e da inexistência de impedimento legal, a percepção dos subsídios políticos não justifica a suspensão ou devolução do benefício previdenciário recebido, não se aplicando, assim, o art. 115, inciso I, da Lei nº 8.213/91." TRF 3 - ApCiv 0001536 44.2016.4.03.6118, Rel. Des. Fed. Marcus Orione Goncalves Correia, 10ª Turma, julgado em 14/8/2024: "1. A orientação jurisprudencial consolidada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser possível a percepção, de forma cumulativa, dos subsídios decorrentes de cargo eletivo com o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, por se tratar de vínculos de natureza diversa. Isso porque a inaptidão do segurado para o trabalho profissional não determina a incapacidade para a sua atividade política, na medida que o agente político não mantém vínculo de natureza profissional com Administração Pública, por exercer tão somente múnus público por tempo determinado. 2. O recebimento de subsídios pelo exercício de mandato eletivo não enseja a suspensão ou o cancelamento de benefício previdenciário por incapacidade. Logo, não há que se falar em devolução de valores, tampouco em aplicação do art. 115, inciso I, da lei 8.213/91."]

20. Adicionalmente, a organização militar, se entendesse que o beneficiário do auxílio indevidamente pago cometeu infrações disciplinares ou ilícitos penais, deveria adotar as providências cabíveis, acionando, se fosse o caso, o órgão ministerial competente. Na situação sob exame, concluiu-se, conforme relatório da sindicância (peça 9, p. 4), que "não houve conduta dolosa, má-fé, por parte do Sindicado, apenas culpa pela falta de conhecimento acerca da impossibilidade de acumular o benefício do auxílio-invalidez com outra atividade remunerada".

21. Ao servidor militar beneficiário do auxílio-invalidez, se entender que o auxílio era devido ou que o processo administrativo não foi devidamente conduzido, compete avaliar e decidir sobre a interposição de recursos administrativos ou ajuizamento de ações judiciais.

22. Em casos como este (recebimento de valores indevidamente pagos pela Administração), tanto o Estatuto do Servidor Público Civil quanto a legislação militar, acima transcrita, disciplinam um procedimento de ressarcimento muito mais célere e efetivo do que a instauração, indevida, de uma tomada de contas especial, que não tem por finalidade precípua a busca desse tipo de ressarcimento, o qual, enfatizo, já encontra regulação específica na legislação civil e na legislação militar.

23. A tomada de contas especial não é instrumento de persecução ressarcitória que possa ser manejado em todo e qualquer caso de ocorrência de pagamentos indevidos ou em todo e qualquer tipo de situação em que se suscita ocorrência de prejuízo ao erário, como já decidiu em diversas vezes esta Corte[footnoteRef:15]. O ordenamento jurídico dispõe de outros instrumentos apuratórios e de obtenção do devido ressarcimento, como é o caso em apreço. [15: Vide, por exemplo:Decisão 221/1999-Plenário, relator ministro Adhemar Paladini Ghisi, conforme ementa: "Tomada de contas especial instaurada contra particular por acidente de trânsito envolvendo veículo oficial. Jurisprudência no sentido de que a jurisdição do Tribunal de Contas da União não alcança todo e qualquer prejuízo causado ao erário. Limites da atuação do Tribunal. Dano já objeto de ação judicial de cobrança, com execução de sentença favorável à União. Arquivamento do processo com base no art. 163 do Regimento Interno. (...) ".Acórdão 516/2007-TCU-Segunda Câmara, relator ministro Ubiratan Aguiar, conforme excerto da jurisprudência selecionada: "Não há pressupostos de constituição de tomada de contas especial quando o processo é autuado para recuperação de taxas de ocupação de imóvel funcional que deixaram de ser pagas por ex-servidor, sem que houvesse participação de agente público na ocorrência."Acórdão 79/2025-TCU-Plenário, de minha relatoria, conforme sumário: "Tomada de contas especial (...) Imprensa Nacional. Não pagamento de serviços prestados por órgão federal. Pagamento a menor em decorrência de irregularidade na centimetragem de diversas publicações. Relação contratual. Ausência de apuração, na fase interna da tomada de contas especial, de envolvimento de agente público nas irregularidades apontadas. Cobrança a ser procedida mediante ações extrajudiciais e judiciais cabíveis. Inexistência de fundamentação para instauração de tomada de contas especial. Arquivamento dos autos, por ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular."Acórdão 6052/2022-TCU-Primeira Câmara, relator ministro Jorge Oliveira, conforme sumário: "Tomada de contas especial. Percepção militar por força de decisão judicial não transitada em julgado, posteriormente cassada pelo STJ. (...) Ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Arquivamento." No mesmo sentido, em casos similares, os Acórdão 1352/2022-TCU-Primeira Câmara, 1.353/2022-1ª Câmara, 3.232/2022-1ª Câmara, 4598/2022-1ª Câmara e 7330/2022-1ª Câmara, de minha relatoria.]

24. Sobre a questão de fundo desta TCE, são relevantes e pertinentes as lições doutrinárias do eminente ministro decano deste Tribunal, ministro Walton Alencar Rodrigues, elaboradas em seu artigo "O dano causado ao erário por particular e o instituto da tomada de contas especial", cujos excertos principais reproduzo, em maior extensão em nota de rodapé, e dentre os quais destaco a seguinte passagem:[footnoteRef:16] [16: Publicado na Revista do Tribunal de Contas da União, n. 77, de 1998:" (...) Temos defendido, em oportunidades várias, que o particular, pessoa estranha ao serviço público, ainda que dolosamente cause dano ao Erário, não está sujeito a figurar como sujeito passivo do processo de Tomada de Contas Especial, a menos que tenha agido em conluio com algum agente público. Em todas essas hipóteses, a nosso ver, não abrange, a jurisdição do Tribunal de Contas da União, o processo e o julgamento de tais particulares.Aliás, tal entendimento não é novo, nem discrepa da antiga e pacífica jurisprudência do próprio Tribunal de Contas da União. A questão é submetida novamente a debate em virtude das numerosas Tomadas de Contas Especiais, instauradas no âmbito de toda a Administração Pública, sobretudo no do INSS e da EBCT, contra particulares, causadores de dano, alheios a qualquer vínculo jurídico de ordem administrativa ou funcional com o serviço público. (...) A jurisprudência do TCU sempre se orientou no sentido de que os particulares, que não tenham utilizado, arrecadado, guardado, gerenciado ou administrado dinheiros, bens ou valores públicos, ou pelos quais a União responda, não estão sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União, conforme preconiza o art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988. (...) Verifica-se, portanto, que o E. Tribunal de Contas da União tem adotado o entendimento de que, como regra, o particular não está sujeito ao julgamento de contas, apreciadas em processos de tomada de contas especial, por danos causados, nesta qualidade, ao Erário. A exceção ocorre quando ele pratica a irregularidade em conjunto com o servidor público. Nesse caso, a especial condição jurídica do servidor público a ele se transfere, e a necessidade de adequada apuração dos fatos determina a prorrogação da competência do Tribunal de Contas para todos os envolvidos. (...) A competência de julgar contas, prevista no inciso II do art. 71 da CF, há de ser interpretada em consonância com o disposto no art. 70 e seu parágrafo único da Constituição, segundo o qual presta contas qualquer pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde gerencie ou administre dinheiros, bens ou valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Verifica-se, portanto, que atos de particulares, não responsáveis pela guarda ou administração de bens públicos, ou de bens pelo quais seja a União responsável, são estranhos ao controle externo e, portanto, não se compreendem no âmbito da competência de julgar contas constitucionalmente atribuída ao Tribunal de Contas da União. (...) Dessa forma, observa-se que não obstante o instituto da Tomada de Contas Especial tenha o seu raio de abrangência definido pelo art. 71, II, da Constituição Federal, do modo o mais amplo possível, permanece limitado por sua natureza intrínseca de voltar-se para a atividade administrativa do Estado. A limitação é de ordem ontológica da Tomada de Contas Especial e do próprio Tribunal de Contas da União. Com efeito, não é qualquer dano ao Erário suficiente para determinar a instauração de Tomada de Contas Especial. Por exemplo: o particular, sem nenhum vínculo com a administração, abalroa culposamente, ou mesmo dolosamente, veículo oficial. Deverá ele sofrer as sanções cíveis e/ou penais compatíveis, sem sujeitar-se, entretanto, a ter suas contas julgadas pelo TCU, nos moldes previstos para o controle externo da Administração Pública federal. O acolhimento de tese divergente da aqui exposta importaria em alargar ao extremo a competência do TCU, tornando-a discrepante de sua razão de ser, de sua natureza político-institucional, criando mecanismo administrativo de exceção para sancionar qualquer particular que provoque dano ao Erário. (...) Demonstra-se, assim, que não obstante toda a amplitude do comando constitucional, a jurisdição do Tribunal de Contas da União concernente à competência para instaurar processos de Tomada de Contas Especial não abrange todo o universo de possibilidades de dano ao Erário. Há de existir sempre a condição de agente público no causador do dano à Administração Pública, ou sua ação em conluio com algum agente público, para justificar a intervenção do Tribunal de Contas da União, tese que, a nosso ver, melhor atende os interesses da Administração Pública e da coletividade em geral."]

"Dessa forma, observa-se que não obstante o instituto da Tomada de Contas Especial tenha o seu raio de abrangência definido pelo art. 71, II, da Constituição Federal, do modo o mais amplo possível, permanece limitado por sua natureza intrínseca de voltar-se para a atividade administrativa do Estado. A limitação é de ordem ontológica da Tomada de Contas Especial e do próprio Tribunal de Contas da União. Com efeito, não é qualquer dano ao Erário suficiente para determinar a instauração de Tomada de Contas Especial."

25. A tomada de contas especial também não pode ser usada como uma espécie de instrumento indireto de persecução sancionatória, moral, mediante a submissão de quem tenha recebido pagamento indevido ao constrangimento e aos ônus de um processo conduzido e julgado pelo Tribunal de Contas da União.

26. Adicionalmente, ressalto, as instruções normativas deste Tribunal, a exemplo da mais recente IN 98/2024, têm sido claras e expressas sobre a obrigatoriedade de a unidade jurisdicionada adotar todas as medidas administrativas necessárias à elisão do dano[footnoteRef:17]. No caso, as medidas administrativas necessárias e pertinentes são as preconizadas na portaria do Ministério da Defesa acima referida, que não foram efetivadas. [17: "Considerando que é dever do administrador público federal adotar todas as medidas imediatas, com vistas ao ressarcimento do dano ao Erário, independentemente da atuação do Tribunal de Contas da União;Considerando que o Tribunal de Contas da União, na condição de órgão julgador dos processos em que se apura a ocorrência do dano ao Erário, somente deve ser acionado após a autoridade administrativa competente ter adotado, sem sucesso, as medidas administrativas necessárias à caracterização ou elisão do dano; (...) Art. 3 º Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação de recursos repassados pela União mediante convênio, contrato de repasse, ou instrumento congênere, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou desaparecimento de dinheiro, bens ou valores públicos, ou da prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade competente deve imediatamente, antes da instauração da tomada de contas especial, adotar medidas administrativas para caracterização ou elisão do dano, observados os princípios norteadores dos processos administrativos, incluindo, quando couber, a adoção da solução consensual prevista no art. 24 desta norma.]

27. Observo, por fim, que o encerramento deste processo implicará para a unidade jurisdicionada, considerado o resultado de seu processo administrativo já concluído, o dever de promover o imediato desconto obrigatório nos proventos de reforma, na forma da legislação aplicável, sendo esse um procedimento de obtenção do pretendido ressarcimento ao erário mais célere[footnoteRef:18] do que seria a continuidade desta TCE, indevidamente instaurada, cuja primeira decisão, se prejudicial ao beneficiário, tenderia a gerar o acionamento da longa cadeia recursal[footnoteRef:19] antes de se chegar, depois de considerável decurso tempo, ao encerramento definitivo do processo nesta Corte, após o que seria essa decisão ainda passível de questionamento em ação judicial. [18: Vide a esse respeito, considerando da IN-TCU 98/2024: "Considerando que os processos de ressarcimento do dano ao Erário devem pautar-se pelos princípios da racionalidade administrativa, do devido processo legal, da economia processual, da celeridade, da ampla defesa, da boa-fé e do contraditório; (...)."] [19: Oposição de embargos de declaração, pedido de reconsideração, subsequentes embargos de declaração, recurso de revisão e respectivos embargos de declaração. ]

Diante do exposto, voto pela aprovação do acórdão que ora submeto à apreciação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões, em 2 de julho de 2025.

Weder de OliveiraRelator

Fragmentos do Inteiro Teor

  • ...regulamentando o disposto no inciso V do art. 13 da Lei 13.954, de 2019[footnoteRef:13]: [12: Disponível em...
  • ...regulamentando o disposto no inciso V do art. 13 da Lei 13.954, de 2019[footnoteRef:11]: [10: Disponível em...