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Tipo de processo
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL (TCE)
Data da sessão
11/08/2020
Número da ata
Os efeitos desse acórdão podem ter sido afetados por decisão posterior do TCU:
Os efeitos desse acórdão podem ter sido afetados por decisão judicial
1055263-46.2021.4.01.3800/JFMG
1010996-52.2022.4.01.3800/JFMG
1010996-52.2022.4.01.3800/JFMG
1010996-52.2022.4.01.3800/JFMG
1010996-52.2022.4.01.3800/JFMG
Interessado / Responsável / Recorrente
3. Embargante: José Bonifácio Mourão (XXX.597.256-XX).
Entidade
Município de Governador Valadares/MG.
Representante do Ministério Público
Procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico.
Unidade Técnica
Secretaria de Recursos (Serur); Secretaria de Controle Externo de Tomada de Contas Especial (SecexTCE).
Representante Legal
Karina Kristian de Azevedo (OAB/MG 122.174).
Assunto
Embargos de declaração opostos em face do acórdão por meio do qual o Tribunal negou provimento ao recurso de reconsideração anteriormente interposto contra acórdão que julgou irregulares as contas do embargante, condenando-o em débito.
Sumário
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. FUNDO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. COFINANCIMENTO FEDERAL DAS AÇÕES CONTINUADAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE FINANCEIRO. NÃO COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO. CONHECIMENTO E REJEIÇÃO.
Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que se apreciam embargos de declaração opostos por José Bonifácio Mourão em face do Acórdão 1719/2020-TCU-Primeira Câmara, por meio do qual o Tribunal negou provimento ao recurso de reconsideração anteriormente interposto contra o Acórdão 14055/2018-TCU-Primeira Câmara, que julgou irregulares as contas do embargante, condenando-o em débito,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Primeira Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com fundamento nos arts. 32, inciso II, e 34 da Lei 8.443/1992, conhecer e rejeitar os presentes embargos de declaração, mantendo-se inalterado o Acórdão 1719/2020-TCU-Primeira Câmara;
9.2. dar ciência deste acórdão ao embargante.
Quórum
13.1. Ministros presentes: Walton Alencar Rodrigues (Presidente), Benjamin Zymler, Bruno Dantas (Relator) e Vital do Rêgo.
13.2. Ministro-Substituto presente: Weder de Oliveira.
Relatório
Trata-se de embargos de declaração opostos por José Bonifácio Mourão (peças 166 e 167) em face do Acórdão 1719/2020-TCU-Primeira Câmara, por meio do qual o Tribunal negou provimento ao recurso de reconsideração anteriormente interposto contra o Acórdão 14055/2018-TCU-Primeira Câmara, que julgou irregulares as contas do embargante, condenando-o em débito.
Nesta oportunidade, o embargante alega que a deliberação recorrida estaria eivada das seguintes contradições:
2.1. ao contrário do que teria sido registrado no voto condutor da decisão embargada, a petição inicial do processo judicial não fora indeferida, tendo sido deferido o pedido liminar pleiteado pelo embargante relacionado à obtenção de documentos probatórios, com base nos quais demonstraria não existir razão para a rejeição das presentes contas;
2.2. contrariedade da decisão com precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, por meio dos quais restou reconhecida a prescrição da pretensão de ressarcimento, tendo em vista o decurso de 10 anos da data do fato.
Diante da pretensa relevância das questões aduzidas, o embargante finaliza o expediente com o seguinte pedido:
"No mérito, espera-se do Eminente Julgador, que seja provido o presente Embargo de Declaração, demonstrado quantum satis a presença das contrariedades apontadas na decisão embargada, para que sejam sanados tais pontos, e sejam atribuídos os efeitos modificativos conforme exposto em suas razões.
Tudo isso na expectativa que seja alcançado o direito da ampla defesa e contraditório do recorrente e de justiça, pois sequer era ordenador de despesa dos recursos ora questionados e que, no entanto, neste momento, precisa buscar todos os meios necessários para demonstrar sua devida aplicação em razão de direito e justiça."
É o relatório.
Voto
Trata-se de embargos de declaração opostos por José Bonifácio Mourão em face do Acórdão 1719/2020-TCU-Primeira Câmara, por meio do qual o Tribunal negou provimento ao recurso de reconsideração anteriormente interposto contra o Acórdão 14055/2018-TCU-Primeira Câmara, que julgou irregulares as contas do embargante, condenando-o em débito.
Nesta oportunidade, o embargante alega que a deliberação embargada estaria eivada de contradições, conforme exposto no relatório precedente.
Satisfeitos os requisitos atinentes à espécie, os presentes embargos devem ser conhecidos, com fundamento nos arts. 32, inciso II, e 34 da Lei 8.443/1992.
Dito isso, não vislumbro as contradições ventiladas.
Inicialmente, cumpre esclarecer que, no voto condutor do Acórdão 1719/2010-TCU-Primeira Câmara, não se afirmou que houve o indeferimento da petição inicial, mas sim que aquele juízo intimou o embargante para se manifestar quanto ao indeferimento da petição inicial em face da ausência do interesse de agir, conforme se observa do próprio excerto da decisão:
"16. Contudo, após pesquisa ao processo judicial eletrônico, minha assessoria verificou a existência de despacho decisório proferido pela 4ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares que, em síntese, intima o ora recorrente para se manifestar quanto ao indeferimento da petição inicial em face da ausência do interesse de agir. Não existem, portanto, elementos que possibilitem a alteração do juízo ora formulado ou mesmo que justifiquem o deferimento do pedido de suspensão do julgamento."
Conforme sugerido pelo próprio embargante, há diferença clara entre indeferir a petição inicial e intimar para se manifestar quanto ao indeferimento, diferença esta que, por óbvio, não passou despercebida por este Relator. Ressalto, em acréscimo, que o fundamento da decisão apresentou a transcrição nos exatos termos da decisão judicial, o que torna impossível a existência de equívoco ou contrariedade na decisão embargada.
Ocorre que, conforme informa o embargante, no dia 4/3/2020, um dia após a sessão em que foi proferida a decisão embargada, ele obteve o deferimento judicial do pedido de tutela de urgência para obtenção de documentos bancários relacionados às contas municipais (peça 167).
Este fato, contudo, não caracteriza contradição, visto que a contradição embargável é aquela que presume a existência de proposições inconciliáveis entre si, aferidas na própria decisão. A contradição, para fins de embargos, é observada, portanto, a partir da existência de uma incongruência lógica entre distintos elementos da decisão, seja por haver justaposição de fundamentos antagônicos, seja por haver incompatibilidade entre as razões de decidir e a própria decisão. Trata-se, repito, de vício de contradição da própria decisão, de natureza interna, conforme bem exposto no Acórdão 3339/2013-TCU-Primeira Câmara:
" (...) a contradição deve estar contida nos termos do decisum atacado, este compreendido no âmbito desta Corte como o conjunto: Relatório, Voto e Acórdão. Não cabe alegação de contradição entre o acórdão embargado e 'doutrina', 'jurisprudência' ou mesmo 'comando legal'. A alegação é pertinente em recurso de reconsideração ou pedido de reexame, no qual o comando atacado é contrastado com a jurisprudência, a doutrina e o ordenamento jurídico. Entretanto, é descabida em embargos de declaração, cuja única finalidade é esclarecer ou integrar a decisão embargada, excepcionalmente modificando-a."
Com base nessas premissas, rejeito também o argumento de que teria havido contradição entre a decisão e a jurisprudência do STF e do STJ.
Não há, no caso, incoerência entre afirmações contidas na motivação ou entre proposições da parte decisória, nem entre alguma asserção proferida nas razões de decidir e o dispositivo. Inexistindo propostas inconciliáveis na deliberação, não há contradição embargável.
Na realidade, ficou claro que as ilações lançadas consistem em tentativa de rediscutir o mérito da matéria decidida por este Colegiado. Contudo, tal finalidade é incabível na espécie recursal eleita, a qual é via estreita destinada tão somente a integrar ou esclarecer a decisão impugnada. Se o embargante quer demonstrar seu inconformismo com o resultado do julgamento e reinstalar a discussão jurídica já apreciada pelo Tribunal, deverá fazê-lo pelas vias recursais adequadas, pois extrapola os limites dos embargos de declaração o reexame da causa.
Com relação à ocorrência de prescrição da pretensão de ressarcimento, conquanto não caracterizar vício embargável, não ensejando, assim, omissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada, por se tratar de matéria de ordem pública, isto é, cognoscível de ofício, analiso a tese apresentada nos embargos.
Sabe-se que há tempos este Tribunal, baseado em precedentes do STF e na interpretação do art. 37, § 5º, da Constituição Federal de 1988, tem adotado o entendimento, consolidado na súmula 282, de que "as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis".
Ocorre que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário 636.886/AL, fixou, com repercussão geral, o seguinte enunciado para o Tema 899: "É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas".
Pessoalmente, entendo que esse recente julgado do STF deve ensejar a revisão da jurisprudência deste Tribunal. No entanto, reconheço que, nos moldes em que foi fixada a tese da Suprema Corte, existem muitas dúvidas e lacunas a serem sanadas, que tornam extremamente difícil a sua imediata aplicação, de forma genérica e abrangente, aos processos que tramitam neste Tribunal.
Nesse sentido, sem me filiar à opinião a seguir consignada, destaco alguns trechos de julgados recentes dessa Corte, ambos da relatoria do Eminente Ministro Benjamin Zymler, que ilustram o cenário de controvérsias e incertezas que adveio com a nova decisão do STF:
2.1. Acórdão 5236/2020-TCU-Primeira Câmara, cujo posicionamento vem sendo seguido em outros julgados (Acórdão 6084/2020-TCU-Primeira Câmara, 6.712/2020, 6.707/2020 e 6.589/2020, da Segunda Câmara, entre outros):
" (...) Não desconheço que recentemente o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do RE 636886/AL, fixou o seguinte enunciado para o Tema 899: 'É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas'. Não obstante essa respeitável decisão, ainda pairam diversas dúvidas sobre a matéria, (...).
(...)
16. Ainda que se interprete que a decisão do STF seja também aplicável à tramitação do processo de controle externo no âmbito do TCU, exsurgem outras diversas questões fundamentais para que esta Corte de Contas estabeleça novo tratamento acerca da prescrição do débito e da pretensão punitiva, em particular qual seria o dies a quo (data de ocorrência do fato irregular ou data do seu conhecimento pelo TCU) e as hipóteses de interrupção da prescrição.
17. Diante de todas as dúvidas ainda existentes sobre a decisão do STF no âmbito do RE 636886, opto por aplicar ao caso em exame a jurisprudência do TCU então existente, que se fundamenta no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no que tange ao ressarcimento do prejuízo, e no art. 205 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), no que se refere à pretensão punitiva." (destaquei)
2.2. Acórdão 6652/2020-TCU-Primeira Câmara:
"16. Isso porque a matéria decidida no RE 636886 ainda não transitou em julgado, até porque ainda não houve sequer publicação do inteiro teor do decisum. Isso implica a possibilidade de serem manejados embargos de declaração, inclusive para a modulação dos efeitos da decisão.
17. A propósito do assunto, é preciso lembrar que o posicionamento até então vigente no STF era no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, na linha do MS 26.210-9/DF. Dessa forma, a concessão de efeitos prospectivos ao RE 636886 é ainda matéria passível de discussão, nos termos do art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil, in verbis:
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica."
Daí se vê que a decisão proferida pelo STF no âmbito do RE 636.886/AL, a qual ainda não foi publicada e é passível de impugnação pela Advocacia-Geral da União mediante Embargos de Declaração, além de não ter deixado claros os limites de sua incidência sobre os processos que já tramitavam nesta Corte de Contas, ainda poderá ser alterada ou ter seus efeitos modulados em sede recursal.
Até o momento o STF não se pronunciou, por exemplo, sobre qual seria o prazo prescricional para a atuação do TCU no que diz respeito à apuração de dano ao erário, bem como sobre como se daria o início da contagem e as interrupções desse prazo. Como inexiste lei específica que regulamente a matéria, sem a fixação desses parâmetros, não há como aplicar o novo entendimento do STF.
Assim, por um lado, até que sobrevenham todos esses esclarecimentos e definições, embora desejável, não é possível a imediata aplicação da tese fixada pelo STF no âmbito do TCU e, por outro, não se pode deixar de dar encaminhamento aos incontáveis processos que tangenciam essa discussão neste Tribunal.
Diante disso, por questões de coerência e em nome da segurança jurídica e da estabilidade das decisões, creio que, até que a questão fique mais clara, o melhor a ser feito é manter o entendimento que há anos vem sendo adotado pelo TCU e pelo próprio STF, no sentido de considerar imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário.
Não se trata, cabe registrar, de desrespeito ou ignorância ao entendimento firmado pela Suprema Corte, tampouco de se fixar qualquer jurisprudência sobre a sua abrangência neste momento. Apenas entendo que, em face da falta de elementos suficientes que nos permitam aplicar a nova tese do STF de imediato e dada a possiblidade de modulação da decisão, não seria produtivo, e causaria enorme incerteza, se este Tribunal revisse sua atuação e logo depois a alterasse novamente.
Por fim, com relação à suposta expectativa registrada no recurso, no sentido de obter documentos com vistas ao exercício do direito de ampla defesa e do contraditório, verifico que, não obstante o decurso de cinco meses desde o mencionado deferimento judicial, o embargante não apresentou a este Tribunal novos documentos, aptos a alterar o juízo formulado. Nesse caso, não obstante a preclusão consumativa quanto ao recurso de reconsideração, há ainda, à disposição do embargante, a possibilidade de interposição de recursos de revisão.
De tal modo que, inexistindo quaisquer contradições, obscuridades, omissões ou quaisquer outros vícios a serem sanados na deliberação atacada, devem ser rejeitados os presentes embargos.
Ante o exposto, voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à deliberação deste Colegiado.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 11 de agosto de 2020.
Ministro BRUNO DANTAS
Relator